o dia a dia não é previsível
ou como o personagem de Dias Perfeitos consultaria um oráculo
Acordar. Abrir os olhos. Ficar puta com o despertador. Pegar o tapetinho de yoga, esticar, fazer alongamentos. Sempre é difícil alongar os posteriores de coxa de manhã. Enrolar o tapetinho, seguir cambaleante e confiante para a cozinha. Esquentar água. Hoje vai ser tapioca ou cuscuz? Cuscuz. Hidratar o cuscuz. Cortar o mamão. Botar café no filtro. Gato mia. Por ração pro gato, acariciar a cabeça do gato, voltar pra coar o café porque a água já ferveu.
Nada disso será visto num oráculo. Detalhes, minúcias, sabores, gostos, decisões pequeninas, pensamentos humildes. Justamente são essas coisas pequenas que fazem a nossa vida ter outro gosto. Nos dias mais difíceis da vida, a hora do café da manhã me traz na sua ritualística a beleza de viver. Acho que não à toa eu fui pesquisar sobre rituais, porque rituais são aquela suspensão do tempo das obrigações que nos coloca em estado de repetição e cuidado, muitas vezes um ritual que nós mesmos inventamos e sistematizamos. Ou copiamos de mães, avós, da artista preferida num vídeo visto na internet.
Fico pensando em quantas angústias são colocadas para o oráculo e quantas dúvidas são trazidas em relação a natureza das previsões. Não acho que seja o caso de dizer que o oráculo só responde coisas do nível ‘macro’, afinal na Astrologia Horária, o ramo da Astrologia que responde perguntas pontuais (exemplo: perdi meu relógio, onde está meu relógio?) conseguimos identificar miudezas também. Mas precisamos ser espertos no que diz respeito aos usos do oráculo. Não se consulta sinais todos os dias, ao menos não uma única ferramenta de sinais.
Essa angústia, tenho pensado, vem sobretudo das expectativas internas. Expectativas que são ideias, coisas não palpáveis. Dia desses a psicanalista Ana Suy fez um post dizendo que ‘a realidade é um alívio’, e eu levei muito pro lado do mundo das previsões. Quando se escuta uma previsão se imagina, mas imaginar é diferente de experimentar e viver de fato. A gente sofre na cabeça antes mesmo de ver se aquilo vai fazer nosso corpo e psique sofrer, como ela diz “nossas possibilidades fantasiosas costumam ser ainda mais cruéis do que os fracassos da realidade”.
As vezes uma previsão anual aparece muito ruim. Ruim pra trabalho, ruim pra relacionamento, ruim pra saúde…e o tempo ritual da leitura de mapa astral é um achatamento do tempo onde escutamos um ano de nossas vidas numa média de 1 a 2 horas. Isso nos faz pensar que passaremos 365 dias do ano assolados em chefes malditos, namoros em crise e resfriados. Veja bem.
No meio de uma crise, um café da manhã bem feito. No meio de uma ordem de um chefe maldito, um cineminha com a amiga no fim da noite. No meio de um resfriado, assistir um filme maravilhoso enquanto se está em repouso.
Destinos sortudos não são apenas o que as coisas ‘dão certo’. Eu escrevo isso pensando muito na minha vida, mas também no tanto de gente que escuto todas as semanas. Dar notícias ruins sobre os planos é difícil, mas mais difícil ainda seria se eu quisesse que a pessoa acreditasse que as adversidades dos eventos são a totalidade da vida. Eu sempre digo: astrologia é contexto. O contexto que favorece ou desfavorece algumas ações. Na tradição filosófica estoica, estes filósofos diriam que, na verdade, não são nossas ações que estão desfavorecidas, mas nosso desejo que está mal localizado.
Ou seja, se sei que é um temporada difícil pra fazer determinada ação, por que a insistência em desejar aquilo? Não sei se concordo com os estoicos, mas fica aqui a reflexão. Tem vezes que acho que é importante deixar as coisas soltarem, saírem do controle e parar de ficar olhando a água no fogão esperando ferver. Vai fazer outra coisa, dar atenção pra outra parada, sabe?
Claro, estou falando de assuntos que não dependam da nossa estrutura básica de existência. Alimento, teto sob a cabeça e condições básicas de saúde são coisas que nem sequer deveriam ser pauta do oráculo, e sim direito universal. Mas a gente sabe que não é assim, enfim, vocês entenderam. Tem coisa que a gente tem que ‘forçar’ o destino pra acontecer por pura sobrevivência.
Mas conhecendo meu público e sabendo que não são pessoas que estão desabrigadas ou passando fome, eu diria que a gente (nisso me incluo rs) tem sofrido e muito, inclusive forçando destinos não por sobrevivência, mas pura teimosia. Uma teimosia socialmente e estruturalmente construída, é claro: padrões de beleza, de casamento, amor, amizade, bem-estar e por aí vai.
Dito isso, quando eu digo que astrologia é uma ferramenta de imaginar e sonhar, e que imaginar é um potencial muito poderoso, é porque podemos imaginar a vida que queremos. Falar isso não estou dizendo pra você se imaginar num palco cantando pro público do Maracanã ou recebendo prêmios ou morando numa mansão com piscina.
Estou falando justamente a imaginação de como acordar, qual quarto você quer estar pra alongar de manhã (caso se alongue, como eu, recomendo principalmente se você passou dos 30), que café da manhã você gostaria de comer todo santo dia, quais os planos pra uma quinta-feira a noite, ou seja, em suma: como você quer viver os dias da sua vida.
Através dessa imaginação e dos sonhos, que são seus, mas também construídos por uma comunidade de coisas, pessoas, animais e seres microscópicos ao nosso redor, vamos direcionando desejos que saciem vontade e dêem alegrias ao nosso dia a dia.
Recentemente, assim como muita gente, eu assisti ao belíssimo filme Dias Perfeitos. Se você não viu, veja. Em resumo e sem spoilers, conta o dia a dia de um homem que mora sozinho numa casa humilde, trabalha limpando banheiros públicos, tem seus lugares preferidos pra comer, gosta de música em toca-fitas, livros e fotografias. E é isso, o filme vai passando pelos seus dias - perfeitos.
Quem não terminou o filme pensando em querer uma vida assim? Eu sim. Mas eu me conheço. Com o fogo no rabo e a língua de boca de sacola que tenho eu jamais iria me satisfazer com uma rotina tão repetitiva e silenciosa. Bom que eu me conheço. rs Porém, todavia, entretanto, esse filme me fez pensar coisas como: se o personagem principal, Hirayama, viesse ler mapa, quais será que seriam as suas perguntas?
Será que ele perguntaria se o carro dele iria dar problema? Talvez ele mencionasse a questão com a irmã e a sobrinha, se haveria possibilidade de resolução com a família? Ele perguntaria por uma possível namorada em perspectiva?
Seus dias são perfeitos, o que não impede que ele quisesse entender como estão os ciclos de alguns assuntos. As previsões não deveriam nos aborrecer em relação a ir contra nossas vontades e sim nos acalmar perante o que dá ou não dá pra fazer, se a vida tá ajudando ou atrapalhando esse ou aquele assunto, e quais liberdades vamos ter de nos mover.
Acho que estamos num contexto de tanta ansiedade que prever significou antecipar. E por antecipar, significou reduzir danos. Recentemente me dei conta de que prever não tem necessariamente a ver com reduzir os danos de fato. Ter consciência dos danos nos torna mais…leves? Leves, eu diria, em relação ao que nos acomete. As vezes vamos ter que passar pelos perrengues porque não tem outro jeito. Se alguém souber como se aluga um apartamento sem fiador num lugar desconhecido sem que seja uma penúria, me avise, por enquanto estou só tendo amor ao meu destino e aceitando que vai ter que ser enrolado. Vai dar certo, mas vai ser enrolado.
Enquanto isso amanheço, alongo, fervo a água do café, hidrato o cuscuz, faço um ovo com gema bem molinha e fito o sol entrando pela janela da cozinha pensando na caralhada de coisa que tenho que fazer durante o dia. Mas mais tarde tem aula de pole dance, oba. Nada disso foi dito pela astróloga no começo desse ano, ainda bem. Em meio a tanto destino que nos acomete sem nosso controle - esses sim previamente avisados pela astróloga -, posso fazer com o dia a dia o melhor para o imprevisível: que sejam perfeitos.
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Espero que seus dias sejam perfeitos!
Um abraço,
Bárbara.
Olhar a água ferver na panela foi uma ótima imagem para seu texto. Adorei!
Li esse texto em pé no metrô lotado e alegrou a banalidade do meu dia a dia, com suas alegrias e perrengues!