Seja qual for o trabalho a ser feito, caso você não tenha uma gorda herança ou o privilégio de simplesmente ficar sem trabalhar, você deve saber e entender que trabalhar é ruim.
Anos e anos pra eu conseguir estabelecer uma rotina onde eu goste muito do meu trabalho, e sou uma parte pequena de pessoas que trabalham com o, muitas aspas, ‘o que gostam’. Fazer o que gosto é muito bom, mas trabalhar nem tanto. Pois trabalho envolve a obrigação inerente de sobrevivência: sem trabalho, não há dinheiro, consequentemente não há casa, comida, água, enfim, itens básicos.
Para sobreviver é necessário trabalhar e não importa se você goste muito ou pouco do que faz, você só o faz porque tem interesse em sobreviver. Ou seja, mesmo que eu curta muito o que eu faço, eu não posso escolher simplesmente parar por um tempo, tirar meses ou anos sabáticos, se não há trabalho não há comida, simples assim.
Coisas que eu já sabia, mas no grupo de estudos do livro Calibã e a Bruxa (já estamos rumo ao último encontrooo! todas chora) debatemos sobre isso: quando o trabalho surgiu, lá em meados dos séculos XV-XVI, a galera deu uma SURTADA BOA, sabia? Teve revolta, teve guerra, teve saqueamento, grupos organizados, tudo porque parecia absolutamente absurda a ideia de que pra comer, beber água, ou seja, sobreviver, o mano camponês iria ter que trabalhar pra um principezinho! Na época, eles chamavam até de escravidão do salário. Não tão errado, né? A gente introjetou tão bem essa ideia que tamo aqui, tem gente até que sofre e vê como a coisa mais importante da vida ((autocrítica.
Já que trabalhar é necessário, temos cada vez mais a busca e motivação de buscar um trabalho que traga um propósito, uma vocação, uma desenvoltura, enfim, aquilo que vai fazer sentido de ser preenchido nas 8h diárias (pra dizer o mínimo).
E eu digo isso com base nos oitos anos trabalhando com Astrologia: o que não falta é gente procurando o raio do propósito profissional, principalmente depois da pandemia que é quando toda nossa existência começou a ser repensada pra talvez ser existida com mais sentido e menos reprodução mecânica.
Por isso iniciei esse texto com o título: trabalhar é ruim. Bom dia, princesa.
Gente, trabalhar é ruim. Não importa o quanto você goste de trabalhar e sinta satisfação em ser útil, se você é da classe trabalhadora você trabalha porque precisa. Não é na hora que está disposto, com vontade e/ou interesse. É todo dia.
Outra coisa que me considero apta para afirmar: eu gosto muito do meu trabalho com Astrologia, a pesquisa, os estudos, os atendimentos, dar aulas, inclusive eu gosto até de criar conteúdo para divulgação, mas eu não gosto de fazer isso por necessidade.
Sim, às vezes eu preciso fazer conteúdo e divulgação não porque tô afim, mas porque tenho que preencher agenda. Tem dia que tô triste, mal humorada ou com algum corre da vida que não dá simplesmente pra parar sem planejamento prévio.
Bom, dito isso, espero que até aqui estejamos num consenso que trabalhar é uma necessidade obrigatória por sobrevivência e isso por si só é uó.
Como eu disse, não me faltam leituras de mapa que buscam o ‘propósito’ profissional que, sinto dizer, nem sempre existe.
Há várias regrinhas pra localizar profissão num mapa, inclusive há uns bons anos atrás, em 2018, eu dei um curso sobre “Astrologia e Vocação” com a amadinha Manu Mello. Foi muito massa (presencial!!! sdds), porque pudemos elencar técnicas básicas para análise vocacional em um mapa astral, mas só com o passar dos anos fui percebendo que tudo nessa vida precisa de recorte, inclusive recorte histórico.
Então vamos ser inteligentes aqui, amores.
O astrólogo medieval Ibn Ezra em seu Julgamentos sobre o recém-nascido vai falar daquela regrinha básica de que existem três planetas que representam a profissão de um nativo: Mercúrio, Vênus e Marte. Gente, vamo lá, pensem comigo. O cara nasceu literalmente há mil anos atrás. Essa técnica é SUPER válida, não estou desqualificando a análise, mas precisamos lembrar que há mil anos atrás: 1. não tinha tanta profissão como hoje e, talvez mais importante 2. a ideia de ‘profissão’ não era como hoje!
Antigamente as pessoas tinham ofícios com relações a seus talentos, desenvolturas, ou coisas que elas herdavam de seus pais (tipo Jesus que era pra ser carpinteiro mas deu um perdido pra ser mártir de um povo, alok). Então, vejam bem, quando associamos Mercúrio a questões de lógica e comunicação, Vênus a coisas artísticas e cheirosas, e Marte um lance mais braçal mão na massa, não estamos apenas falando que a pessoa tá >destinada< a ter essa profissão, e sim afirmando que é um planeta de muita força no mapa e, consequentemente, vai se reverberar no profissional.
Não a toa que o critério de Ibn Ezra é eleger o planeta caso ele esteja em um dos ângulos (casa 1, 4, 7 ou 10) porque a gente sabe que essas casas são as mais fortes do mapa. Portanto, se a pessoa tem, por exemplo, um Marte de casa 10, a maior desenvoltura da vida desta pessoa será marcial e, consequentemente, seu modo de produzir também.
Lembre-se: trabalho obrigatório no tempo do Ibn Ezra não existia, as pessoas trabalhavam com o que trabalhavam não porque eram obrigadas, mas porque eram boas naquilo. Tinham jeitinho. Guardem essa informação.
Tem gente sim que nasceu com destino da vida pública, pra mostrar alguma coisa ou motivar-se pelo ofício, mas tem gente que não. Inclusive muita gente. Tem gente que o que está destinado a mostrar na vida pública não tem necessariamente a ver com trabalho. Ah, e existe também gente com vidas profissionais bastante interessantes mas que no mapa não tem nada de muito relevante em termos de vida pública.
Astrologia é contexto, e o contexto atual do capitalismo neoliberal é a obrigação do trabalho, então seja seu destino ou não, você vai trabalhar. Com exceção de quem tem a vida ganha por heranças, ou vive de ser encostado de alguém ou quem decide viver errante nas ruas (inclusive, bem notável em mapas, vou te falar…rs).
Desde que comecei a ter uma formação mais sólida sobre o entendimento predatório do trabalho num contexto capitalista, comecei a ser mais reticente sobre esse lance “vocacional”. Um outro motivo foi ver a quantidade de astrólogo que aparece como conteúdo patrocinado prometendo mundos e fundos para clientes no quesito profissional. Palavras como autoconhecimento, propósito, prosperidade, sucesso ficaram tão esvaziadas de sentido que quando eu vejo isso fico pensando em como deve ser esse atendimento. Como prometer sucesso pra quem não o tem destinado? Aliás, o que seria esse sucesso?
Essa pergunta foi feita uma vez por uma consulente: “estou buscando uma forma de viver melhor as 8h que dedico ao meu trabalho” no que eu respondi “essa é a pergunta de um milhão de dólares”. Porque nem eu que trabalho com o que eu gosto curto tanto as horas que trabalho, e olha que muitas vezes elas passam de 8h. :): kkkkcrying.
Bom, fazer o quê então, colega?
Algo que tenho aprofundado e encorajado é justamente ver os locais do mapa onde localizam melhor um senso de realização: ascendente, regente do ascendente e seu local no mapa, lote do Espírito e seu regente, ver o o Senhor da Genitura, a Lua e/ou as casas do mapa que são mais frequentadas denotam para onde a vida se encaminha com maior alegria e, veja bem, às vezes não é sobre O TRABALHO que se gosta e sim AS TAREFAS que você executa o fazendo. :)
É claro que pra ver questões de trabalho, você pode também seguir as regrinhas do Ibn Ezra, além de ver o regente do Meio do Céu, da casa 10, os planetas a ela aplicados, lote árabe do trabalho, e, como Clélia Romano versa sobre Guido Bonatti, até planetas no ascendente, o que eu acho que faz muito sentido, afinal ascendente é vocêzinho e hoje em dia a ideia que a gente tem de “eu” é, sobretudo, um trabalhador.
senta que lá vem história
Eu planejei ser astróloga? Não. Mas Astrologia traz uma realização de muitas coisas que gosto de fazer: pesquisar, trocar, dar aulas, escrever, me comunicar, ouvir, dizer, histórias, histórias e mais um pouquinho de histórias. Vai entender a pessoa que escuta história todo dia de todas as pessoas e ainda assina o canal Não Inviabilize pra o que? Escutar mais histórias.
Minha primeira graduação foi Jornalismo (que larguei no segundo ano) e acho que se um astrólogo lesse meu mapa naquela época, super diria que este seria meu destino. Porque o lance não é ser X ou Y, e sim ser algo que envolve movimento, trocas, palavras e…histórias.
Enfim, só pra alargar os exemplos.
Portanto, o que eu chamo a atenção nos mapas para além de ‘realização profissional’ seria a realização de tarefas que se executa enquanto trabalha. Podendo ser pra um chefe maldito vendendo sua força de trabalho ou numa empresa que não conflui com seus valores, mas encontrar fazer as coisas que gosta de se fazer enquanto trabalha. Ou senão encorajar práticas para além do trabalho, por mais que, infelizmente, ocupe menos horas das nossas semanas.
Inclusive práticas que envolvam militância política e organização para destruir essa lógica!!!!!!!!1111onze
Ao meu ver, essa abordagem cria uma perspectiva menos idealizadora quanto ao destino em relação ao campo profissional e firma nossos pés no chão para lembrarmos, continuamente que: trabalhar é ruim.
Legal é ir na praia, dançar, fazer um amor, comer uma comida gostosa e, sim, executar uma tarefa que a gente gosta de executar: escrever, pesquisar, ler mapas, ver o céu, fazer ciência…Quem dera pudéssemos fazer tudo isso sem a obrigatoriedade do trabalho!
Tenho cada vez mais aflição dessas promessas neoliberais trazidas pelos ditos “astrólogos”. Tento respeitar todas as vertentes, mas promessas vazias fica meio difícil.
Fazer um vocacional, portanto, pode abarcar trabalho e muito além. Lembrar que nossas necessidades e desejos podem estar direcionados para experiências diversas além do que deram como padrão: carreira, relacionamento, família, casamento.
Né não?
Se você concordou, vem ver os recados aqui embaixo.
Se não concordou, também!
já pensou em contribuir com essa newsletter? com R$ 8 mensais você recebe conteúdo exclusivo sobre assuntos relacionados a minha pesquisa, ainda que em grande parte eu só fale de Astrologia porque não tem jeito né monas…inclusive se vocês curtirem muito essa edição, eu faço uma próxima para assinantes pagos premiuns vips cheirosos com técnicas mais detalhadas sobre identificação profissional no mapa <só não esquece a crítica social foda>, quetal
quer saber sua desenvoltura profissional? pessoal? pública? íntima? agenda aqui neste link sua leitura de mapa astral então :)
não tenho recomendação de livro, nem de filme, nem de série, nem de música porque minha vida tá só trabalhar, fazer pesquisa, curso, resolver perrengue e exercitar o corpinho. vou tentar ser melhor na próxima!
Um beijo,
Bárbara.
se fosse pra ser só bom chamaria férias na andaluzia, não trabalho... mas os consulentes, em geral - como toda nossa cultura e geração - estão contaminados com essa ideia de que você precisa a qualquer custo arrumar um trabalho que te FAÇA FELIZ .... meia-noite eu conto um segredo....
Adorei a perspectiva. Aliás, acabei de pegar esse link em outra newsletter sobre trabalho e revolução, que conversou muito com o seu texto https://thebaffler.com/latest/fighting-like-hell-proctor?utm_source=substack&utm_medium=email .
Em algum momento ela fala sobre segurar a ambivalência com as coisas como estar em luto pelo pai, mas não romantizar o relacionamento deles, que era difícil. E senti isso no seu texto. Quando vc falou sobre gostar das tarefas do trabalho mesmo numa empresa péssima, bateu demais aqui.
Valeu pela análise massa.