breve ensaio sobre o esvaziamento do cuidado
todos os dias - todos os dias! - que eu trabalho estudando mapas, eu escrevo. as minhas anotações não são tópicos, e sim uma narrativa que escrevo da vida de uma pessoa. em termos técnicos, claro (já tô evitando que você, cliente, me peça, são apenas anotações, tá? rs), numa linguagem que faz sentido pra mim, mas eu tô em silêncio escrevendo. eu faço isso há tantos anos que nunca elaborei sobre, até que pensando sobre minha capacidade de escrita e contar histórias, certo dia eu respondi pra mim mesma "você escreve histórias todos os dias", e sim, eu escrevo histórias todos os dias. eu leio histórias, reelaboro diante dos símbolos e calculo previsões. é um trabalho muito artesanal e analógico.
apesar do uso de softwares para agilizarem os cálculos, eu me dedico pessoa por pessoa. e isso que fortalece, é o que também me questiona e se dissolve no dia-a-dia. tudo cada vez mais digital, mapas que são pagos e emitidos por um robô em questão de minutos ou horóscopos generalizados dizendo como será a coisa pra x signo. eu posso ser muito chata e ortodoxa, mas por outro lado não consigo aceitar que o oficio artesão, analógico e específico do astrólogo se perca. democratizar saberes nunca foi sobre massificação. não se deve subestimar as pessoas e sua capacidade de encontrar respostas para si.
penso sempre na sensação de cuidado que eu sinto quando encontro um bom médico/médica (eu tenho várias questões de saúde): quando o profissional questiona detalhes específicos da minha vida e eu sinto que há alguém cuidando do meu corpo de acordo com o conhecimento que elu domina. acolher o destino de alguém exige um cuidado, um horário reservado, um espaço pra perguntas, e um limite de tempo também, claro. querer falar com todo mundo talvez seja pretensa arrogância. talvez seja importante querer falar com quem nos quer ouvir. e isso redes sociais ajuda a viabilizar os encontros, mas não os encontros em si. até isso que você tá lendo: é um recorte do eu, mas não sou eu. é uma parte do trabalho que posso realizar, mas não é o trabalho em si. é como um convite de festa que não é a festa em si. me esforço em não me perder nos tantos símbolos socados no meu inconsciente diante das telas. em não esmorecer pro que sei fazer. espero isso pra todes. quando eu escrevo uma história de uma pessoa eu estou no meu silêncio. eu empresto meu silêncio pra contar uma história. outra história (talvez a sua).
é curioso pensar como tudo começou. acho que já comentei aqui no primeiro post, se não me engano. e por isso não esvazio o sentido e a funcionalidade das redes sociais, mas acho que já a saturamos tanto que eu pessoalmente acho que tem um monte de vozes falando (inclusive a minha).
recentemente, em entrevista à rádio CBN, a autora e psicanalista Ana Suy disse que a escrita é uma necessidade. fiquei pensativa, porque nunca havia pensado nisso, mas é verdade: escrevemos porque tem algo que está vazando, então se fala pelas palavras. isso não quer dizer que a escrita seja sempre relevante, mas, como eu disse, ela não precisa ser pra todo mundo. e acho que teve um tempo que eu queria levar a ‘palavra’ da astrologia tradicional pra todo mundo. e veio muitas frustrações de todoss os lados.
minha família, os céticos, os ‘científicos’, os modernos, quantas inimizades criei, viu…rs eu falei muita bobeira também, mas já passou. e diferentemente do capitalismo que gosta da lógica da escalabilidade (Anna Tsing fala muito bem sobre isso em seu livro), em que sempre estamos aumentando o número de alcance, sempre mais, sempre alcançando mais longo os nossos braços, a astrologia (e acho que qualquer trabalho que envolva o cuidado com a vida, seja saúde, oráculo, estética…) se dedica na forma singela de pessoa para pessoa, caso contrário será uma fila de histórias atrás de histórias me (nos) cansando.
minha pergunta é como prosperar nisso, e talvez seja a aceitação do nosso destino aceitar que grandes montantes de dinheiro não esteja alinhado com a lógica do cuidado (será? vale como tema de pesquisa, né rs). ou em algum momento cansar disso, e eu sinto que um dia cansarei, quando for a hora.
mas válido para novos astrólogos, oraculistas, cuidadores de pessoas em geral: nossos ideais são lindos, mas não se constrói um novo mundo sem manter o básico de sobrevivência. lute por você e seu espaço, o espaço que você dará aos outros é consequência. primeiro vamos estar bem alimentades e com teto na cabeça pra morar, né? e ir lutando contra os dragões imaginários do algoritmo que nos engessam e desencorajam.
e vamos,
tem dias que parece impossível. de ontem pra hoje eu estava com um grande mal humor, até que fiz uma leitura de mapa que me lembrou porque faço o que faço. justamente porque adentrei com tanto carinho a vida e narrativa daquela pessoa que eu devo honrar o ofício. imagino que seja assim pra quem faz o que gosta, mesmo que a lógica do trabalho nos mate aos poucos.
bom, e quem quiser agendar leitura de mapa, tenho horários disponíveis pra abril, escreva no mardoscosmos@gmail.com
quem gosta do que escrevo e quer fazer parcerias literárias ou mandar trabalhos que envolvam redação, me escreva no babiariola@gmail.com
até a próxima!
um beijo,
Bárbara.