Que a pandemia derreteu meu cérebro (possivelmente o seu também), isso tá dado. Fui uma criança bem nerdolas em relação a leitura, sempre gostei de ler e escrever. Com uns 10 anos de idade, inclusive, escrevi um livro bem bobinho manuscrito num caderno com capa de flores cor-de-rosa. Fugia de estudar para prova de Geografia pra ler O Mundo de Sofia. rs
Depois da pandemia e todo esse nosso acesso a internet, comecei a ter dificuldades de concentração, mas acho que teve outro fator que me atravessou com a leitura: o desencanto.
O mestrado desencantou minha relação com a leitura e a escrita. Eu li e escrevi demais no mestrado, e acho que o fato dessa formação não ter me dado resultados palpáveis, tirou minha empolgação com um livrinho novo cheio de história pra contar. Principalmente livros teóricos, políticos, de elaborações intelectuais…isso aí me dá gastura até hoje. É muito doido você ver que uma coisa que te alimentava a alma, hoje te trazer uma tristeza que não dá vontade nenhuma de saber o que Paul Preciado anda falando sobre as dissidências, política, seilá o que ele anda falando.
Em 2023 eu publiquei meu primeiro livro. Ironicamente (ou não) foi o ano que menos li e escrevi. Publicar um livro era possivelmente o maior sonho da minha vida. E quem não bota fé em psicanálise que me desculpe, mas aquele lance de que a vida é mais a caminhada em direção ao desejo do que o desejo em si, é muito verdade. Não que lançar o livro não tenha sido incrível, foi muito. Mas as vezes a gente realiza sonhos achando que vai ouvir os sinos dobrando, os sete arcanjos vão descer dos céus e luzes de bençãos se acenderão ao nosso redor.
Todo processo foi muito gostoso de viver, o lançamento foi um dos dias mais carinhosos que vivi em 2023: não foi lotado de ‘fãs’ fazendo filas de autógrafos, mas estava reunido as pessoas que eu mais amo na minha vida, que torcem e vibram por mim. Meu melhor amigo me contou nesse dia que seria pai. Minha mãe pediu pra eu dar um beijo de batom no livro, tipo a Xuxa. rs A amiga da minha ex, que eu não ousava me aproximar, apareceu. Amo esse dia em todos os detalhes. A editora do livro também organizou um sarau em que só tinha homens idosos ou quase idosos, brancos e cis, e eu recitei poesia sapatão pra eles.
Fiquei pensando o que eu esperava ao publicar um livro. Sobre ser lida. O que é escrever e publicar? É sobre ser famosa? E a fama de um escritor é sobre o que? Por que a gente diz o que quer dizer? Tem muitas coisas que estou elaborando, mas dentre elas é justamente essa coisa do meu cérebro ter derretido na pandemia feat mestrado: escrever e publicar é um pouco sobre compartilhar a criação que somente nosso mundo particular pode criar. Imagina se a pessoa que inventou a história do Super Homem não tivesse ousado contar essa história? A criatividade é uma beleza que traz entretenimento, insights, reflexões e mostrar para os outros é colocar essa vida em movimento. Eu compartilhei um pouquinho mínimo do mundo que vivi, que pra mim é tão familiar, mas talvez na mão de outras pessoas seja uma porta para outro universo. Não se tornou best-seller, e não sei o que andam sentindo por aí…
Escrever é um investimento. Um investimento difícil de fazer onde precisamos trabalhar e pagar as contas, viver nossos dramas pessoais e coletivos, mas escrever é um investimento consigo mesmo, com a própria força e poder de ação criativa. Isso demora tempo. E com um cérebro derretido e cansado, desacreditado eu diria, é difícil exigir criatividade e vontade. Ler sempre foi muito natural, mas até o que me foi natural precisou de uma pausa para eu lembrar do porque eu faço isso. Eu quero muito contar mais histórias, mas não tenho mais pressa. O tempo vai gestar o que é preciso ser dito.
Bom, dito isso, vou compartilhar com vocês o que li esse ano. Li muito pouco. Li coisas pequenas. Li artigos, capítulos (pensei em colocá-los aqui, mas desisti). Essa vai ser a lista mais picotada, honesta e cansada que vocês vão ver. Sim, cansada, porque eu não consegui fazer esse investimento em ler talvez por um receio inconsciente do que aquilo iria despertar em mim. Por me distrair muito em trabalhar, cuidar dos outros e da minha saúde física.
Todos os livros estão com seus devidos links para compra, pois aqui a gente incentiva leitura, principalmente a leitura de publicação independente!
Língua, Bárbara Ariola, Editora Primata: começando por mim mesma, né? Língua é um compilado de escritos ao longo da minha vida que ganhou uma curadoria sobre a língua que é parte do corpo, mas também é linguagem. Tem devaneios, poesia sapatão e bastante erotismo. Meu jeitinho. rs
Torto Arado, Itamar Vieira Jr, Editora Todavia: o único livro que li inteiro esse ano. Sim, meu público, o único. Fui na casa da minha amiga Anne e fiz uma troca de empréstimo: dois livros pelo o A gente mira no amor e acerta na solidão, da Ana Suy (que eu li em 2022 depois de um pé na bunda, foi ótimo, recomendo!). Não tem o que dizer, o vencedor do Jabuti de 2020 é uma história linda, instigante, profunda, traz o cenário do Brasil pós colonização sobre a perspectiva das pessoas negras e ex-escravizadas. Algo que não estamos acostumados a ler, narrativas que tem aparecido com mais frequência na literatura e são extremamente necessárias para entender o país que vivemos. Mas não sem um realismo fantástico, cadeia de eventos intrigantes e a magia em torno dos encantados, dos deuses e rituais. Me ganhou muito, quero muito ler o outro livro do Itamar.
Tudo é rio, Carla Madeira, Editora Record: o outro livro que troquei com a Anne foi esse, no que ela disse “nossa, dá um tesão”. Eu queria muito ter terminado esse livro até escrever aqui, mas não terminei. Faltam pouquinhas páginas e minha meta é terminar até dia 31 de dezembro!!! Vai dar certo! Enfim, sim, gente, dá um tesão. Mas também dá uma tristeza profunda. A Carla cria imagens e cenários muito lindos e também muito dolorosos. Ela é envolvente, amorosa, o jeito que ela escreve é sedutor como Lucy, uma das protagonistas. Ela coloca num mesmo romance uma putaria e uma tragédia entremeadas entre os capítulos. Me lembrou Valter Hugo Mãe pelo fato dela aludir ao amor e a beleza mesmo no meio de coisas tão complicadas. É o livro que faz a gente pensar na vida, nos erros, no perdão. Sei lá, Carlinha, se um dia você ler isso saibas que sou muito fã e quero ser igual você quando crescer.
Aguaceiro, Mugra Itakaru, Edições Elle/Elu: sabe o que quase nunca aparecem na lista de leituras mundo afora? Zines e publicações independentes. Aguaceiro é uma zine do Mugra lançado pela nova editora Elle/Elu feita por duas pessoas trans. Projeto incrível que tem como objetivo difundir literatura trans independente. Aguaceiro é um relato íntimo de Mugra, especialmente no momento de transição de gênero, movido a sentimentos e a relação que muda com o meio externo. Gosto especialmente do trecho que ele conta quando vai receber aplicação de testosterona de uma enfermeira lésbica. O Mugra é tão doce quanto inconformado, gosto muito disso na escrita dele.
Essa fome chamada desejo, Samia Oliveira, Editora Urutau: Eu li o original da Samia antes dela enviar para o edital. Chique, né? A Samia escreve como quem tem fome, e de primeiro impacto achei muito intenso. Samia não economiza os detalhes de como as coisas vão atravessando os sentidos dela. É de uma crueza enorme. Ao mesmo tempo uma vivacidade enorme. Pulsão de vida e morte dançam juntas. Mas engraçado: quando eu li o original, eu conhecia Samia há poucos meses. Agora que o livro foi publicado e já conheço Samia há mais de um ano, e nossa amizade se estreitou intensamente, eu assimilo a leitura de outra forma. Ok, possivelmente você não vai conhecer a Samia, mas saiba que é ela nua e crua, uma coisa meio Hilda Hilst. Forte como um bebê recém-nascido cheio da potência, vontade de viver, banhado de sangue, lágrimas e vida.
Jaca e outros micro romances desse poema, Pacor, Editora Primata: ok, eu li mais de um livro esse ano. É que esse livro é bem pequenino e eu sou muito dura comigo mesma pra admitir que fiz mais do que acho que fiz. Esse livro me pegou de surpresa. Eu conheço Pacor há uns anos quando estava fazendo pesquisa na graduação sobre arte sapatão. Pacor foi a única pessoa que apareceu falando academicamente sobre o assunto naquela época (uns idos de 2017, 2018…). Desde então sigo no Instagram, até que vi esse livro disponível. Fiquei afim, assim, só com vontade mesmo. Comprei. Fui muito surpreendida. Tem coisa que eu não entendo, Pacor é aquele tipo de pessoa meio gênio brilhante que sabe articular muitas ideias complexas. E no meio do caminho tem amor, tem sexo, tem tesão, tem drama sapatão e mais elaborações sobre viver e caminhar na cidade. Eu li marjoritariamente entre as baldeações da linha vermelha para a azul para a lilás do metrô de São Paulo (e vice-versa) e combinou muito bem. Igual Pacor andava por Paris, por São Paulo, às vezes pelo Rio de Janeiro em seu livro.
Garota, mulher, outras, Bernadine Evaristo, Editora Cia das Letras: eu COMECEI a ler esse livro e ameiiiiii. Mas eu estava hospedada na casa de uma pessoa no Rio de Janeiro, tive que ir embora e não ousei pedir o livro emprestado. Eu estava muito envolvida, é uma história de uma sapatão norte-americana das artes cênicas que passa pela questão racial. Tem relatos de família, maternidade, amor sapatão, uma história riquíssima, envolvente, que tive que deixar pra trás. Resolvi colocar aqui pois: eu comprei esse livro esse mês e vou continuar lendo assim que acabar o livro de Carla. Aí trago pra lista de livros lidos em 2024. rs
Bhagavad Gita, texto clássico indiano: voltei a ler esse livro pela sexta, sétima vez, sei lá, ainda não terminei. Mas dessa vez vou terminar. É um livro sobre os ensinamentos da filosofia indiana, onde o guerreiro Arjuna pede conselhos a Krishna. Talvez você não tenha notado (hahah), mas eu sou meio vibessss, e eu adoro a filosofia budista. Gosto muito das reflexões de serenidade e paciência e reler tem me trazido reflexões bonitas sobre a vida, sobre a finitude da matéria e a verdade de que o tempo-espaço são da ordem da invenção. Me ajuda muito a refletir sobre os textos que escrevo sobre astrologia. rsrs Mas eu ainda me incomodo com o moralismo em cima das questões eróticas e corporais, e até por isso tenho sentido mais vontade ainda de estudar o tantra. Você teria alguma recomendação?
Os temperamentos nos 5 cantos do Brasil & medicina hipocrática, Bárbara Ariola/Giu Del-Penho/Ísis Daou/Mar Muricy, publicação independente: a verdade é que eu lancei três publicações esse ano, risosssss. Essa zine tá incrivelmente linda e bem escrita. Provém do curso que eu e Mar Muricy demos em 2022 sobre Os Quatro Temperamentos na Astrologia Tradicional, e fizemos uma pesquisa - modéstia parte - muito bem feita. Não existe muita pesquisa sobre a relação da medicina hipocrática e astrologia (apesar do cálculo existir), muito menos traduzida pro português, e oferecemos esse material bem escrito, acessível e lindíssimo!
Estrelas Fixas Volume 3, Bárbara Ariola/Ísis Daou, publicação independente: ok, mais uma publicação que eu escrevi esse ano. É delicioso pesquisar, ler, entender, articular e escrever sobre as estrelas. Para isso me aprofundo no mundo das mitologias, da história e o processo todo é muito envolvente. Foi uma imersão até que rápida para a produção, mas como já tínhamos lançados dois volumes anteriores, meio que eu já sabia onde buscar as fontes. Enfim nossa publicação final de estrelas, outro material sobre astrologia acessível, bem escrito e bem feito. Gracias Ísis por botar fé nesses projetos.
E aí, gostaram???? rs
Eu desejo que em 2024 a leitura e escrita tenham espaços prioritários na minha vida, seja de forma profissional e/ou criativa.
Aliás, ótimo momento pra me vender: além das publicações, eu também faço serviços de redação e editoria, precisando e/ou gostando me escreve no babiariola@gmail.com // estou aberta a projetos editoriais, jornalísticos e de redação diversa. aqui nesse link tem meu portfólio.
boa passagem de ano e boas leituras pra vocês!
apoiem a escrita independente!
um abraço,
Bárbara.
Obrigada pelo texto e indicações Bárbara;)
eu ando lendo muito pouco, esse ano quero retomar. adorei a lista! o seu eu já li e amei hahahaha