o mapa astral de Galileu Galilei
Uma coisa que talvez nem todo mundo sabe de mim é que eu gosto mais de atender do que estudar mapas. Eu gosto mais de falar na presença de alguém do que na presença de ninguém. Ao mesmo tempo, eu gosto muito de escrever. E toda vez que eu estudo um mapa, eu escrevo um texto. Uma narrativa que me conduz às coisas que vou dizendo para a pessoa, escrevo recados para mim mesma e todo esse processo é solitário, repetitivo, às vezes até entediante.
(não sei se todos sabem, mas um bom astrólogo estuda o mapa antes da consulta, toma notas, faz cálculos e só depois te atende)
Mas é justamente nessa solidão e silêncio que tenho insights, reflexões, interpretações, então não dá pra fugir desta etapa. Hoje eu vou interpretar o mapa do Galileu Galilei com vocês, mas eu vou fazer isso de forma mais explicativa e didática do que quando escrevo um texto só pra eu mesma lembrar no momento do atendimento. Isso porque não basta traduzir, tenho que explicar a tradução. O ofício do astrólogo é a tradução, não necessariamente explicando todos os pontos que são traduzidos, exceto em alguns casos específicos e esse é um caso específico.
Eu prometi a interpretação do mapa do Galileu a partir do podcast Vinte Mil Léguas, então já fica aqui meu agradecimento às pesquisadoras Sofia Nestrovski e Leda Cartum, pois foi a partir da biografia narrada com detalhes tão preciosos que essa leitura se torna muito mais possível e íntima de uma interpretação comum.
Galileu Galilei nasceu dia 26 de Fevereiro de 1564, às 15h41, na cidade Pisa, Itália. Adendo importante: esta é a data do nascimento de Galileu ANTES do calendário gregoriano. No nosso calendário, Galileu nasce dia 16 de Fevereiro.
Bom, retomando: um fim de tarde, com um Sol já se preparando rumo ao horizonte Oeste, na casa 8 do mapa, e um ascendente em Leão rasgando o horizonte Leste, mais conhecido como Ascendente.
A motivação de Galileu, portanto, é o fogo. O fogo sempre vai pro alto, assim como a inquietação do nosso personagem. Os ascendentes de fogo podem se motivar por poder, mas também pelo conhecimento, a religiosidade, ou seja, tudo que vai ‘para cima’, assim como uma chama incessante. O fogo de Leão é um fogo de reino, já estabelecido, regido pelo Sol. É a chama que queima em busca de um intelecto que vai manter a autoridade solar, o Rei. Costumo dizer que Leão é um signo que se satisfaz por estabelecer a constante busca. Parece contraditório, mas um reinado só é um reinado se há manutenção do próprio reino. Então buscar, conhecer, estudar, se debruçar em um assunto é forma de fazer com que o conhecimento continue vivo e estabelecido.
O regente do Ascendente de Galileu é um Sol em Peixes na casa 8. A casa 8 sendo a casa que fala sobre o que pertence aos outros: dinheiro dos outros, intimidade alheia, segredos etc. Tudo que não é seu, mas dos outros. O Sol vindo em um signo de água desafia Galileu, como ele mesmo disse “O peixe mal consegue escapar do calor que aquece o mar e mergulha nas profundezas”. O fogo de Leão ao invés de ir para o alto, mergulha nas profundezas oceânicas. Enquanto o destino lhe motiva a sede de conhecimento, Galileu busca nas entranhas, em conjunto, em coletivo, e, como já disse, a respeito dos outros. O desafio é estabelecer seu reinado quando isso depende do movimento alheio, é quase como ficar “a mercê”.
Em outras palavras, Galileu dependeu um tanto da vida alheia para existir. Ainda que fosse curioso, estudioso, buscasse seu reino, foi através de patrocínios, mecenas, apoio, suporte que sua vida se sustentou, e isso é bom, mas também é um sempre depender. Isso fica pior visto que o dispositor (regente) deste Sol está na casa 12, sendo um Júpiter em Câncer. A casa 12 a casa do imprevisível, dos inimigos ocultos, do adoecimento da mente, as prisões e outras formas de restrição, denotam que ficar a mercê pode desde trazer essa prosperidade dos lugares mais improváveis e imprevisíveis, como causar reviravoltas, onde quem estava apoiando acaba por se revelar um inimigo. Galileu certamente transitou por territórios duvidosos.
Mas Júpiter é Júpiter, o grande benéfico, e Júpiter em Câncer está exaltado. Então por mais que o ambiente fosse hostil, difícil, duvidoso e por vezes insalubre, ali suas benesses eram dadas e conseguia a trégua do destino. A tal da sorte. Tamanha sorte que a esquisitice de depender deste local hostil o levou a sua notoriedade e tamanha popularidade no seu meio durante a vida: o regente da casa 12 é a Lua em Touro, exaltada, conjunta ao Meio do Céu, na casa 10, o local da vida pública. Baita popular. Pra quem não sabe, a Lua é um astro que pode representar a popularidade e a condição em Touro - exaltação - mostra isso de uma forma ‘exagerada’, com dimensões bem grandes, ainda mais considerando que ele nasceu num dia da Lua crescente cravada no topo mais alto do céu. A parte poética e bonita fica pro grande evento de sua vida: a grande virada de chave foi quando Galileu apontou sua luneta para o céu e descobriu como era, de fato, a superfície da Lua. Ele nasce justamente com Lua que cresce, nutrida, taurina, exaltada, no cume mais alto do céu. O Meio do Céu.
A Lua enquanto ponto do mapa que revela sobre a subjetividade a respeito de como um sujeito raciocina e elabora seus sentimentos, temos a teimosia e persistência de Galileu, assim como um pouco da sua soberba frente ao seu sucesso. Lua em Touro fica confortável, está no ápice de sua primavera, o que pode causar inveja, mas também o coloca numa posição de conforto. No entanto, a dispositora da Lua é Vênus exaltada em Peixes na 8, relembrando: toda essa abundância só existe porque é dada pelos outros, pelo seu público, pelos seus patrocinadores. Galileu exibe seus saberes, seu raciocínio, mas só se torna possível perante todo um sistema que o sustenta e dá fé.
Outro ponto que fala sobre a forma de raciocinar e pensar, desta vez de forma mais lógica é Mercúrio em Peixes. Mercúrio em Queda, aquele que muda os paradigmas do pensamento através da imaginação. Mercúrio tem a condição de queda porque em Peixes, oposto de Virgem, perde sua condição de raciocínio lógico e matemático para raciocínio imaginativo, especulativo, fora da forma linear. Galileu escrevia suas teorias e elaborações científicas sobretudo através de diálogos. Criava personagens que dialogam entre si e defendem seus pontos de vista. Outra forma era através de contos, uma forma de elaborar uma linha de raciocínio e pensamento através da poética ao invés da descrição técnica.
Algo interessante simbolicamente é que uma das teorias que Galileu elaborou, é a dos “corpos em queda”. Resumidamente, foi Galileu o primeiro a afirmar que dois corpos com uma massa e tamanhos diferentes quando largados de um mesmo ponto de partida em direção ao chão, o tempo de velocidade de ambos objetos é o mesmo. O que interfere, portanto, não é o tamanho e nem a massa, e sim coisas como ar, por exemplo. Tem um vídeo muito legal de quando houve a chegada do homem na Lua, em 1964, onde se repete esse experimento.
Ali no ponto mais alto do céu, na casa 10 da vida pública e trabalho, está Marte, regente das casas 4 e 9 por domicílio. Marte está em Touro, exilado, ou seja, está trazendo algo fora de seu paradigma. Se a função marcial é romper, aqui ele o faz com certa dificuldade. A casa 9 fala do conhecimento superior, acadêmico, os oráculos e também das religiões e das autoridades. Um dos traços da vida pública de Galileu é ter pego esses assuntos de ordem superior e ter trazido desta forma exilada. Gosto sempre de salientar que as grandes quebras de paradigma durante a história foram protagonizadas por planetas exilados. Na vida de Galileu, os assuntos das grandes autoridades e saberes foram trazidos exilados e desconfortáveis para a vida pública.
O Marte lança um sextil àquele Júpiter exaltado. Ainda que a relação entre os saberes superiores e as figuras de autoridade sejam amistosas, Júpiter está na queda de Marte (Câncer). Acrescento também o fato de que a casa 12 é a casa do “desconhecido”, portanto, o céu que Galileu via em sua luneta não era o mesmo céu visto por nossos olhos todas as noites. É um céu do “além”, até então, invisível (astrologia é contexto, lembram?). Em seu mapa o regente da 12 (o desconhecido) é a Lua que cresce no Meio do Céu, a casa da vida pública onde tudo é visto por todos. Galileu mostrou o desconhecido para que todos pudessem ver! O verdadeiro formato da Lua! (essa parte me empolga muito hahahah).
Da sorte em meio aos inimigos custou sua vida: é curioso como Júpiter está em excelente condições, mas na 12. Esse é um testemunho importante sobre figuras religiosas ou de autoridade filosófica que tem muita relevância, sinalizado por um Júpiter em excelente condição por dignidades essenciais (em Câncer, exaltação), mas muito prejudicado por dignidades acidentais (na casa 12). Ou seja, as autoridades podem se tornar ao longo da vida inimizades, afinal, é a casa dos inimigos ocultos. Me lembra exatamente durante o podcast o momento em que o Papa Urbano VIII se revela na verdade não um amigo, mas alguém que “tolerava” Galileu. Além disso, Júpiter faz uma conjunção com Saturno em Câncer, exilado, o que reitera que a sorte mora ao lado dos piores e mais escondidos inimigos.
Apenas um adendo curioso, Júpiter exaltado rege sua casa 5, a que fala dos filhos. E uma de suas filhas, com quem trocava cartas constantemente, Maria Celeste (meu nome preferido no mundo) foi freira (assuntos de Júpiter) e morou por toda vida em um convento (lugar restrito, ou seja, de casa 12).
Por fim, para chegar aos fins, a casa 8 onde se ocupa o regente do ascendente de Galileu é também uma casa que fala sobre a morte. E a morte chegará a todos nós, mas o que mais chama atenção neste mapa é que não apenas o regente do ascendente, mas também o regente do Meio do Céu, a Vênus, está na 8. Além de todos os testemunhos já falados da casa 8, é o trabalho, a vida pública que leva Galileu à morte. Vênus em exaltação lança trígono a Júpiter em exaltação, ambos benéficos em signos onde Júpiter fica digno (Peixes é domicílio de Júpiter), Os motivos são de ordem da fé (Júpiter). Mas Júpiter está na 12: o inimigo oculto, o imprevisível, a escuridão. Galileu vai preso. Galileu morre.
Existem muitos outros pontos a serem explorados nesse mapa, afinal, é uma vida inteira, mas quis focar na vida e obra, assim como suas contradições com a Igreja e os saberes. Certamente Galileu Galilei é uma figura que merece ser rememorada com generosidade, não apenas pelas consequências que reverberam até hoje, mas pelo início de tudo no horizonte Leste onde ascendia Leão: o desejo ávido do saber. De tanto querer saber, desvelou mistérios nunca antes vistos, de oceanos tão profundos e céus tão longínquos.
Espero que tenham gostado da minha interpretação e que seja útil para seus estudos! Se for usar algo daqui, por favor, faça referências. Não vamos disseminar cópias e plágios, o conhecimento está sendo compartilhado, mas tenhamos respeito entre os nossos pares.
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forte abraço,
Bárbara.
Maravilhoso! O início ali, falando do ascendente em Leão foi um deleite pra mim, que tenho esse mesmo aspecto no mapa. Você faz esse trabalho de entregar o mapa escrito assim pra pessoas comuns? Eu amaria ter meu mapa interpretado e escrito tão poeticamente assim por você!
Amei! Fiquei chocada com a relação da filha e Júpiter, e também com essa Lua no meio do céu. Astrologia não falha...